Oposição: “O fato é que a primeira grande tese de FHC foi muito bem compreendida por Aécio e está na raiz do que ele disse na TV.”
Oposição: Aécio Neves e FHC
FHC e Aécio Neves: “O papel da oposição”
Fonte:
Valor Econômico publicado pelo
Jogo do Poder
Aécio na linha direta de FHC
Artigo:
Renato Janine Ribeiro
Não surpreende que
Aécio Neves seja o candidato à
Presidência da República ungido por
Fernando Henrique Cardoso. É que seu programa no horário político do
PSDB, iniciando de fato a propaganda eleitoral, traduz em linguagem televisiva e popular um artigo seminal do ex-presidente, que causou impacto dois anos atrás, mas confinado na época a um debate quase acadêmico. Refiro-me a “
O papel da oposição“, que saiu no número 13 da revista “
Interesse Nacional“, criada pelo embaixador Rubens Barbosa, um dos melhores cérebros próximos a
FHC. O artigo pode ser lido no site da revista e em outros endereços na internet.
O que dizia o artigo? Se resumirmos não só o que
Fernando Henrique disse com todas as letras, mas também as implicações menos visíveis mas inegáveis, seria o seguinte. O
PSDB não tem como rivalizar com o
PT junto aos mais pobres. As propostas tucanas são para a classe média. Mas esta última cresce. Os petistas não terão muito o que lhe dizer. O
PSDB terá. E deve em especial lutar no âmbito de uma nova forma de relações sociais, que são as virtuais, as proporcionadas pela comunicação via internet. Falou assim primeiro o cientista político, ao mostrar os limites dos discursos tanto petista quanto tucano, e depois o sociólogo, ao pensar em novas relações sociais – o sociólogo que, quando foi
presidente da República, se entusiasmava em dizer que estamos à beira de uma nova Renascença, o presidente que tinha por amigo
Manuel Castells, um dos grandes teorizadores das possibilidades que nos abre a rede mundial de computadores. Para tanto, aliás, FHC criou a rede
Observador Político, iniciativa que pretendia ser não-partidária e abrir um canal de discussão mais rico sobre a
política.
Vamos reconhecer que a segunda parte do que disse FHC continua no plano das intenções, mas isso não é falha sua. Nossa sociedade, dominada pelo narcisismo, tem dificuldade em dialogar com o outro, em especial se for mesmo diferente de nós.
As oportunidades que abre a Internet são destroçadas pela multiplicação de Narcisos. Mas isto fica para outro dia. O fato é que a primeira grande tese de
FHC foi muito bem compreendida por
Aécio Neves e está na raiz do que ele disse na TV.
Aécio quer tirar a classe média de Dilma
Quando o senador mineiro diz que devemos ir além do
Bolsa Família, está implicitamente reconhecendo o êxito e até a autoria petista da grande expansão dos programas sociais. Sim, ele recorda que foram tucanos os que os começaram. Mas isso é “pro forma”. O fato é que os
governos Lula e Dilma são os grandes responsáveis pela transformação de nossa pirâmide social em losango – o processo pelo qual as classes mais pobres deixaram de ser as mais numerosas, papel que hoje é da chamada
classe C; entre 2005 e 2010, cerca de 50 milhões passaram das
classes D e E para a nova classe média. Então, por que brigar com a realidade? Por que atacar isso, quando o segredo que desvenda FHC é que esse processo pode ter como beneficiário, justamente, o
PSDB?
Em outras palavras, se o sonho de Dilma Rousseff é fazer do Brasil “um país de classe média”, e se quem sabe falar à classe média e dar-lhe o que ela quer é o
PSDB, então o interesse maior dos tucanos é que a presidenta e seu partido tenham pleno êxito em seu projeto. E o problema do
PT, que os tucanos terão enorme prazer em apontar, seria tratar-se de um partido bom para vencer as grandes mazelas sociais, mas incapaz de dar um passo adiante – um partido bom para a emergência social em que vivemos estes séculos, com níveis de miséria e discriminação absolutamente indignos, mas incapaz de garantir, depois disso, um crescimento econômico e um desenvolvimento social sustentáveis. (E com esta ideia de
sustentabilidade o
PSDB pode também fazer acenos aos que apoiaram ou apoiam Marina Silva, cuja palavra de ordem foi deixando de ser “o verde”, ou o meio ambiente, para se tornar a sustentabilidade em geral).
O
PT seria capaz de medidas emergenciais. O
Bolsa-Família pode ser o melhor programa de inclusão social do mundo, mas ninguém vai – ou deve – prosperar graças à assistência. É preciso criar empregos e empreendedorismo. A desigualdade étnica no País é escandalosa e as ações afirmativas são importantes para reduzi-las. Mas, em ambos os casos, trata-se de medidas pontuais, que têm de ser provisórias, pois apenas serão eficazes se tiverem data de conclusão próxima de nós no tempo. Assim, esperam FHC – e, agora,
Aécio – construir, com políticas liberais, uma alternativa mais bem sucedida ao PT na conquista deste público, a classe média baixa.
Pela primeira vez desde 2002, o
PSDB pode ir à campanha propondo, de fato, o que Serra formulou em palavras – mas que não convenceram o eleitorado – em 2010: continuidade em relação aos êxitos petistas. Ele passa a ter claro interesse em que o petismo realize o sonho de Dilma. Exagerando, ele pode até ser educadíssimo com o PT… Comparando, estamos numa situação análoga, ainda que com sinais invertidos, à de 2002. Lula tinha interesse em que o Brasil, que ia receber de FHC, estivesse bem. E a “herança maldita” estava longe de ser tão má, porque passar o cargo a um presidente eleito de esquerda era algo inédito em nosso país.
Parece que o país quer continuidade com mudanças, ou mudanças com continuidade. Quem nos convencer que fará isso ganha. Pessoalmente, não acredito que
2014 seja já a vez de
Aécio; mas sua estratégia é boa, e o é porque deve muito a este
artigo de FHC, que merece ser lido por quem ainda não o conhece. E fica o alerta para o PT. O desafio aumenta. Não vai ser fácil guardar a hegemonia política no país.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na
Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras para o Valor